Se o papa herege pode ser deposto (excerto)
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São Roberto Bellarmino, Doutor da Igreja
(De Romano Pontifice, lib. II, cap. 30)
Respondo: sobre esse assunto há cinco opiniões.
A primeira é de Alberto Pighi (Hierarch. Eccles., lib. 4, cap. 8), para quem o Papa não pode ser herege e portanto não pode ser deposto em caso algum. Essa sentença é provável e pode ser defendida com facilidade, como depois mostraremos no lugar devido. Como, porém, não é certa, e como a opinião comum é em contrário, é útil examinar que solução dar à questão, caso o Papa possa ser herege.
[…]
A quarta opinião é a de Caietano, para quem (de auctor. papae et conc., cap. 20 et 21) o Papa manifestamente herético não está “ipso facto” deposto, mas pode e deve ser deposto pela Igreja. A meu juízo, essa sentença não pode ser defendida.
Pois, em primeiro lugar, prova-se com argumentos de autoridade e de razão que o herege manifesto está “ipso facto” deposto. O argumento de autoridade baseia-se em São Paulo (epist. ad Titum, 3), que ordena que o herege seja evitado depois de duas advertências, isto é, depois de se revelar manifestamente pertinaz – o que significa antes de qualquer excomunhão ou sentença judicial. É isso o que escreve São Jerônimo, acrescentando que os demais pecadores são excluídos da Igreja por sentença de excomunhão, mas os hereges afastam-se e separam-se a si próprios do corpo de Cristo. Ora, o Papa que permanece Papa não pode ser evitado, pois como haveríamos de evitar nossa própria cabeça? Como nos afastaríamos de um membro unido a nós?
Este princípio é certíssimo. O não cristão não pode de modo algum ser Papa, como o admite o próprio Caietano (ibidem, cap. 26). A razão disso é que não pode ser cabeça o que não é membro; ora, quem não é cristão não é membro da Igreja; e o herege manifesto não é cristão, como claramente ensinam São Cipriano (lib. 4, epist. 2), Santo Atanásio (ser. 2 cont. Arian.), Santo Agostinho (lib. de. grat. Christ. cap. 20), São Jerônimo (cont. Lucifer.) e outros; logo o herege manifesto não pode ser Papa.
A isso responde Caietano (in Apol. pro tract. praedicto cap. 25 et in ipso tract. cap. 22) que o herege não é cristão “simpliciter”, mas o é “secundum quid”. Pois, dado que duas coisas constituem o cristão – a fé e o caráter – o herege, tendo perdido a fé, ainda está de algum modo unido à Igreja e é capaz de jurisdição; portanto, ainda é Papa, mas deve ser destituído, uma vez que está disposto, com disposição última, para deixar de ser Papa: como o homem que ainda não está morto mas se encontra “in extremis”.
Contra isso: em primeiro lugar, se o herege, em virtude do caráter, permanecesse, “in actu”, unido à Igreja, nunca poderia ser cortado e separado dela “in actu”, pois o caráter é indelével. Mas não há quem negue que alguns podem ser “in actu” separados da Igreja. Logo, o caráter não faz com que o herege esteja “in actu” na Igreja, mas é apenas um sinal de que ele esteve na Igreja e de que a ela deve voltar. Analogamente, quando a ovelha erra nas montanhas, o caráter nela impresso não faz com que ela esteja no redil, mas indica de que redil fugiu e a que redil deve ser novamente conduzida. Essa verdade tem uma confirmação em São Tomás, que diz (S.Theol. III,8,3) que não estão “in actu” unidos a Cristo os que não têm fé, mas só o estão potencialmente – e São Tomás aí se refere à união interna, e não à externa, que se faz pela confissão da fé e pelos sinais visíveis. Portanto, como o caráter é algo de interno, e não de externo, segundo São Tomás o mero caráter não une, “in actu”, o homem a Cristo.
Ainda contra o argumento de Caietano: ou a fé é uma disposição “simpliciter” necessária para que alguém seja Papa, ou apenas para que o seja de modo mais perfeito (“ad bene esse”). Na primeira hipótese, caso essa disposição seja eliminada pela disposição contrária, que é a heresia, imediatamente o Papa deixa de ser tal: pois a forma não pode manter-se sem as disposições necessárias. Na segunda hipótese, o Papa não pode ser deposto em razão da heresia, pois em caso contrário deveria também ser deposto por ignorância, improbidade e outras causas semelhantes, que impedem a ciência, a probidade e demais disposições necessárias para que seja Papa de modo mais perfeito (“ad bene esse papae”). Além disso, Caietano reconhece (tract. praed., cap. 26) que, pela ausência das disposições necessárias não “simpliciter”, mas apenas para maior perfeição (“ad bene esse”), o Papa não pode ser deposto.
A isso, Caietano responde que a fé é uma disposição “simpliciter” necessária, mas parcial, e não total; e que, portanto, desaparecendo a fé o Papa ainda pode continuar sendo Papa, em razão da outra parte da disposição, que é o caráter, o qual ainda permanece.
Contra esse argumento: ou a disposição total, constituída pelo caráter e pela fé, é “simpliciter” necessária, ou não o é, bastando então a disposição parcial. Na primeira hipótese, desaparecendo a fé já não resta a disposição “simpliciter” necessária, pois a disposição necessária “simpliciter” era a total, e a total já não existe. Na segunda hipótese, a fé só é necessária para um modo mais perfeito de ser (“ad bene esse”), e portanto a sua ausência não justifica a deposição do Papa. Além disso, o que se encontra na disposição última para a morte, logo em seguida deixa de existir, sem a intervenção de qualquer outra força externa, como é óbvio; logo, também o Papa herege deixa de ser Papa por si mesmo, sem qualquer deposição.
Por fim, os Santos Padres ensinam unanimemente, não só que os hereges estão fora da Igreja, mas também que estão “ipso facto” privados de toda jurisdição e dignidade eclesiásticas. São Cipriano (lib. 2, epist. 6) diz: “afirmamos que absolutamente todos os hereges e cismáticos não têm poder e direito algum”; e ensina também (lib. 2, epist. 1) que os hereges que retornam à Igreja devem ser recebidos como leigos, ainda que tenham sido anteriormente presbíteros ou Bispos na Igreja. Santo Optato (lib. 1 cont. Parmen.) ensina que os hereges e cismáticos não podem ter as chaves do reino dos céus, nem ligar ou desligar. O mesmo ensinam Santo Ambrósio (lib. 1 de poenit., cap. 2), Santo Agostinho (in Enchir., cap. 65), São Jerônimo (lib. cont. Lucifer.)…
O Papa São Celestino I (epist. ad Jo.Antioch., a qual figura no Conc. de Éfeso, tom. I, cap. 19) escreveu: “É evidente que permaneceu e permanece em nossa comunhão, e não consideramos destituído, aquele que tenha sido excomungado ou privado do cargo, quer episcopal quer clerical, pelo Bispo Nestório ou por outros que o seguem, depois que estes começaram a pregar a heresia. Pois a sentença de quem já se revelou como devendo ser deposto, a ninguém pode depor”.
E em Carta ao Clero de Constantinopla, o Papa São Celestino I diz: “A autoridade de nossa Sede Apostólica determinou que não seja considerado deposto ou excomungado o Bispo, clérigo ou simples cristão que tenha sido deposto ou excomungado por Nestório ou seus seguidores, depois que estes começaram a pregar a heresia. Pois quem com tais pregações defeccionou na fé, não pode depor ou remover a quem quer que seja”.
O mesmo repete e confirma São Nicolau I (Epist. ad Michael). Finalmente, também São Tomás ensina (S.Theol., II-II, 39, 3) que os cismáticos perdem imediatamente toda jurisdição, e que será nulo o que tentem fazer com base em alguma jurisdição.
Não tem fundamento o que alguns a isso respondem: que esses Padres se baseiam no Direito antigo, ao passo que atualmente, pelo decreto do Concílio de Constança, só perdem a jurisdição os que são nominalmente excomungados e os que agridem a clérigos. Esse argumento – digo – não tem valor algum, pois aqueles Padres, afirmando que os hereges perdem a jurisdição, não alegam Direito humano algum, que aliás naquela época talvez não existisse sobre a matéria, mas argumentam com base na própria natureza da heresia. O Concílio de Constança só trata dos excomungados, isto é, dos que perderam a jurisdição por sentença da Igreja, ao passo que os hereges já antes de serem excomungados estão fora da Igreja e privados de toda jurisdição, pois já foram condenados por sua própria sentença, como ensina o Apóstolo (Tit. 3, 10-11), isto é, foram cortados do corpo da Igreja sem excomunhão, conforme explica São Jerônimo.
Além disso, a segunda afirmação de Caietano, de que o Papa herege pode ser verdadeira e autoritativamente deposto pela Igreja, não é menos falsa do que a primeira. Pois se a Igreja depõe o Papa contra a vontade deste, está certamente acima do Papa; o próprio Caietano entretanto defende, no mesmo tratado, o contrário disto. Caietano responde que a Igreja, depondo o Papa, não tem autoridade sobre o Papa, mas apenas sobre o vínculo que une a pessoa ao Pontificado. Do mesmo modo que a Igreja, unindo o Pontificado a tal pessoa, não está por isso acima do Pontífice, assim também pode a Igreja separar o Pontificado de tal pessoa em caso de heresia, sem que se diga estar acima do Pontífice.
Mas contra isso deve-se observar em primeiro lugar que, do fato de que o Papa depõe Bispos, deduz-se que o Papa está acima de todos os Bispos, embora o Papa ao depor um Bispo não destrua a jurisdição episcopal, mas apenas a separe daquela pessoa. Em segundo lugar, depor alguém do Pontificado contra a vontade do deposto, é sem dúvida uma pena; logo, a Igreja, ao depor um Papa contra a vontade deste, sem dúvida o está punindo; ora, punir é próprio ao superior e ao juiz. Em terceiro lugar, dado que, conforme Caietano e os demais tomistas, na realidade o todo e as partes tomadas em seu conjunto são a mesma coisa, quem tem autoridade sobre as partes tomadas em seu conjunto, podendo separá-las entre si, tem também autoridade sobre o próprio todo constituído por aquelas partes.
É ainda destituído de valor o exemplo dos eleitores, dado por Caietano, os quais têm o poder de designar certa pessoa para o Pontificado, sem terem contudo poder sobre o Papa. Pois, quando algo está sendo feito, a ação se exerce sobre a matéria da coisa futura, e não sobre o composto, que ainda não existe; mas quando a coisa está sendo destruída, a ação se exerce sobre o composto, como se torna patente na consideração das coisas da natureza. Portanto, ao criarem o Pontífice, os Cardeais não exercem sua autoridade sobre o Pontífice, pois este ainda não existe, mas sobre a matéria, isto é, sobre a pessoa que pela eleição tornam disposta para receber de Deus o Pontificado. Mas se depusessem o Pontífice, necessariamente exerceriam autoridade sobre o composto, isto é, sobre a pessoa dotada do poder pontifício, isto é, sobre o Pontífice.
Logo, a opinião verdadeira é a quinta, de acordo com a qual o Papa herege manifesto deixa por si mesmo de ser Papa e cabeça, do mesmo modo que deixa por si mesmo de ser cristão e membro do corpo da Igreja; e por isso pode ser julgado e punido pela Igreja. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente de São Cipriano (lib. 4, epist. 2), o qual assim se refere a Novaciano, que foi Papa (antipapa) no cisma havido durante o Pontificado de São Cornélio: “Não poderia conservar o Episcopado, e, se foi anteriormente feito Bispo, afastou-se do corpo dos que como ele eram Bispos e da unidade da Igreja”. Segundo afirma São Cipriano nessa passagem, ainda que Novaciano houvesse sido verdadeiro e legítimo Papa, teria contudo decaído automaticamente do Pontificado caso se separasse da Igreja.
Esta é a sentença de grandes doutores recentes, como João Driedo (lib. 4 de Script. et dogmat. Eccles. cap. 2, par. 2, sent. 2), o qual ensina que só se separam da Igreja os que são expulsos, como os excomungados, e os que por si próprios dela se afastam e a ela se opõem, como os hereges e os cismáticos. E, na sua sétima afirmação, sustenta que naqueles que se afastaram da Igreja, não resta absolutamente nenhum poder espiritual sobre os que estão na Igreja. O mesmo diz Melchior Cano (lib. 4 de loc., cap. 2), ensinando que os hereges não são partes nem membros da Igreja, e que não se pode sequer conceber que alguém seja cabeça e Papa, sem ser membro e parte (cap. ult. ad argument. 12). E ensina no mesmo local, com palavras claras, que os hereges ocultos ainda são da Igreja, são partes e membros, e que portanto o Papa herege oculto ainda é Papa. Essa é também a sentença dos demais autores que citamos no livro 1 “De Eccles.”.
O fundamento desta sentença é que o herege manifesto não é de modo algum membro da Igreja, isto é, nem espiritualmente nem corporalmente, o que significa que não o é nem por união interna nem por união externa. Pois mesmo os maus católicos estão unidos e são membros, espiritualmente pela fé, corporalmente pela confissão da fé e pela participação nos sacramentos visíveis; os hereges ocultos estão unidos e são membros, embora apenas por união externa; pelo contrário, os catecúmenos bons pertencem à Igreja apenas por uma união interna, não pela externa; mas os hereges manifestos não pertencem de modo nenhum, como já provamos.
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CAPUT XXX.
Solvitur argumentum ultimum, et tractatur quaestio:
An papa haereticus deponi possit.
Argumentum decimum. Pontifex in casu haeresis potest ab Ecclesia judicari et deponi, ut patet dist. 40. can. Si papa, igitur subjectus est pontifex humano judicio, saltem in aliquo casu.
Respondeo: sunt de hac re quinque opiniones. Prima est Alberti Pighii lib. 4. cap. 8 hierarch. Eccles. ubi contendit, papam non posse esse haereticum; proinde nec deponi in ullo casu, quae sententia probabilis est, et defendi potest facile, ut postea suo loco ostendemus. Quia tamen non est certa, et communis opinio est in contrarium, operae pretium erit videre, quid sit respondendum, si papa haereticus esse possit.
Est ergo secunda opinio, papam eo ipso quo in haeresim incidit, etiam interiorem tantum, esse extra Ecclesiam et depositum a Deo, quocirca ab Ecclesia posse judicari, idest, declarari depositum jure divino, et deponi de facto, si adhuc recuset cedere. Haec est Joan. de Turrecremata lib. 4. par. 2. cap. 20. sed mihi non probatur. Nam jurisdictio datur quidem pontifici a Deo, sed hominum opera concurrente, ut patet, quia ab hominibus habet iste homo qui antea non erat papa, ut incipiat esse papa; igitur non aufertur a Deo nisi per hominem: at haereticus occultus non potest ab homine judicari; nec ipse sponte eam potestatem vult relinquere. Adde, quod fundamentum hujus opinionis est, quod haeretici occulti sint extra Ecclesiam, quod esse falsum nos prolixe ostendimus in lib. 1. de Eccl.
Tertia opinio est in altero extremo, nimirum, papam neque per haeresim occultam, neque per manifestam, esse depositum aut deponi posse. Hanc refert et refellit Turrecremata loc. not. et sane est opinio valde improbabilis. Primo, quoniam haereticum papam posse judicari, expresse habetur can. Si papa dist. 40. et apud Innocentium serm. 2. de consecr. pontif. Et quod majus est in VIII. synodo act. 7. recitantur acta concilii romani sub Hadriano, et in iis continebatur, Honorium papam jure videri anathematizatum, quia de haeresi fuerat convictus, ob quam solam caussam licet minoribus judicare majores. Ubi notandum est, quod etsi probabile sit, Honorium non fuisse haereticum, et Hadrianum II. papam deceptum ex corruptis exemplaribus VI. synodi, falso putasse Honorium fuisse haereticum: tamen non possumus negare, quin Hadrianus cum romano concilio, immo et tota synodus VIII. generalis senserit, in caussa haeresis posse romanum pontificem judicari. Adde, quod esset miserrima conditio Ecclesiae, si lupum manifeste grassantem, pro pastore agnoscere cogeretur.
Quarta opinio est Cajetani in tract. de auctor papae et conc. cap. 20. et 21. ubi docet, papam haereticum manifestum non esse ipso facto depositum sed posse, ac debere deponi ab Ecclesia: quae sententia meo judicio defendi non potest. Nam inprimis, quod haereticus manifestus ipso facto sit depositus, probatur auctoritate et ratione. Auctoritas est b. Pauli, qui in epist. ad Titum 3. jubet, haereticum post duas correptiones, idest, postquam manifeste apparet pertinex, vitari, et intelligit ante omnem excommunicationem, et sententium judicis; ut ibidem scribit Hieronymus, ubi dicit, altos peccatores per sententiam excommunicationis excludi ab Ecclesia; haereticos autem per se discedere et praecidi a corpore Christi: at non potest vitari papa manens papa; quomodo enim vitabimus caput nostrum? quomodo recedemus a membro nobis conjuncto?
Ratio vero et quidem certissima haec est. Non Christianus non potest ullo modo esse papa, ut Cajetanus faletur in eod. lib. cap. 26. et ratio est, quia non potest esse caput id quod non est membrum; et non est membrum Ecclesiae is qui non est Christianus: at haereticus manifestus non est Christianus, ut aperte docet Cyprianus lib. 4. epist. 2. Athanasius ser. 2. cont. Arian. Augustinus lib. de grat. Christ, cap. 20. Hieronymus cont. Lucifer. et alii; haereticus igitur manifestus papa esse non potest.
Respondet Cajetanus in Apol. pro tract. praedicio cap. 25. et in ipso tract. cap. 22. haereticum non esse christianum simpliciter, sed esse secundum quid: nam cum duo faciant christianum, fides et character, haereticus amissa fide, adhuc adhaeret aliquo modo Ecclesiae, et capax est jurisdictionis; proinde adhuc est papa, sed deponendus; quia per haeresim est dispositus, dispositione ultima, ad non esse papam: qualis est homo, non quidem mortuus, sed in extremis constitutus.
At contra. Nam inprimis si ratione characteris haereticus maneret actu conjunctus cum Ecclesia, nunquam posset praecidi et separari actu ab ea, quia character est indelebilis: at omnes fatentur, quosdam posse praecidi de facto ab Ecclesia; igitur character non facit hominem haereticum, esse actu in Ecclesia, sed solum esse signum quod fuerit in Ecclesia, et quod debeat esse in Ecclesia. Quomodo character ovi impressus, quando ilia errat in montibus, non fatit eam esse in ovili, sed indicat ex quo ovili fugerit, et quo iterum compelli possit. Et confirmatur ex b. Thoma, qui 3. par. q. 8. artic. 3. dicit, eos qui fide carent non esse unitos Christo actu, sed in potentia tantum: ubi loquitur de unione interna, non externa, quae sit per confessionem fidei, et visibilia sacramenta. Cum ergo character ad interna pertineat non ad externa secundum b. Thomam, solus character non unit actu hominem cum Christo.
Deinde. Vel fides est dispositio necessaria simpliciter ad hoc ut aliquis sit papa, vel tantum ad bene esse. Si primum; ergo ista dispositione sublata per contrariam quae est haeresis, mox papa desinit esse: neque enim potest forma conservari sine necessariis dispositionibus. Si secundum; ergo non potest deponi papa propter haeresim: nam alioquin deberet deponi etiam propter ignorantiam et improbitatem el similia, quae tollunt scientiam et probitatem, et alias dispositiones necessarias ad bene esse papae. Et praeterea fatetur Cajet. in tract. praed. cap. 26. ex defectu dispositionum non necessarium simpliciter, sed tantum ad bene esse papam non posse deponi.
Respondet Cajetanus, fidem esse dispositionem necessariam simpliciter, sed partialem, non totalem; et proinde fide remota, adhuc papam manere papam propter aliam partem dispositionis, quae dicitur character, et adhuc remanet.
At contra. Vel totalis dispositio, quae est character et fides, est necessaria simpliciter, vel non, sed sufficit partialis. Si primum; ergo remota fide, non amplius remanet dispositio necessaria simpliciter, quia totalis erat necessaria simpliciter, et jam non est amplius totalis. Si secundum; ergo fides non requiritur nisi ad bene esse, et proinde propter ejus defectum papa deponi non potest. Deinde quae habent ultimam dispositionem ad interitum, paulo post desinunt esse sine alia vi externa, ut patet; igitur et papa haereticus sine alia depositione per se desinit esse papa.
Denique sancti Patres concorditer docent, non solum haereticos esse extra Ecclesiam; sed etiam ipso facto carere omni jurisdictione et dignitate ecclesiastica. Cyprianus lib. 2. epist. 6. Dicimus, inquit, omnes omnino haereticos atque schismaticos nihil habere potestatis ac juris: et lib. 2. epist. 1. docet, haereticos ad Ecclesiam redeuntes suscipiendos ut laicos, etsi antea in Ecclesia presbyteri, vel episcopi fuerint. Optatus lib. 1. cont. Parmen. docet, haereticos et schismaticos claves regni coelorum habere non posse, nec solvere aut ligare. Ambrosius lib. 1. de poenit. cap. 2. et Augustinus in Enchir. cap. 65. Idem docet Hieronymus lib. cont. Lucifer. Non quod Episcopi, inquit, esse possunt qui haeretici fuerant, sed quod constaret, eos, qui reciperentur haereticos non fuisse.
Coelestinus papa I. in epist. ad Jo. Antioch. quae habetur in concil. ephes. tom. 1. cap. 19. Si quis, inquit, ab episcopo Nestorio aut ab aliis qui cum sequuntur, ex quo talia praedicare coeperunt, vel excommunicatus vel exutus est, seu antistitis seu cleri dignitate, hunc in nostra communione et durasse et durare manifestum est, nec judicamus eum remotum; quia non poterat quemquam ejus removere sententia, qui se jam praebuerat ipse removendum. Et in epistol. ad cler. constantinopol. Sedis, inquit, nostrae sanxit auctoritas, nullum sive episcopum, sive clericum seu professione aliqua christianum, qui a Nestorio vel ejus similibus, ex quo talia praedicare coeperunt, vel loco suo, vel communione detecti sunt, vel dejectum, vel excommunicatum videri: quia neminem dejicere vel removere poterat, qui praedicans talia titubavit. Idem repetit et confirmat Nicolaus I, in epist. ad Michäel. Denique etiam d. Thomas 2. 2. q. 39. art. 3. docet, schismaticos mox perdere omnem jurisdictionem, et irrita esse, si quae ex jurisdictione agere conentur.
Neque valet quod quidam respondent: istos Patres loqui secundum antiqua jura; nunc autem ex decreto concilii constantiensis non amittere jurisdictionem, nisi nominatim excommunicatos, et percussores clericorum. Hoc, inquam, nihil valet: nam Patres illi cum dicunt haereticos amittere jurisdictionem, non allegant ulla jura humana, quae etiam forte tunc nulla exstabant de hac re: sed argumentantur ex natura haeresis. Concilium autem constantiense non loquitur nisi de excommunicatis, idest, de his qui per sententiam Ecclesiae amiserunt jurisdictionem: haeretici autem etiam ante excommunicationem sunt extra Ecclesiam, et privati omni jurisdictione, sunt enim proprio judicio condemnati, ut docet apostolus ad Titum 3. hoc est, praecisi a corpore Ecclesiae sine excommunicatione, ut Hieronymus exponit.
Deinde quod secundo Cajetanus dicit, posse papam haereticum ab Ecclesia deponi vere et ex auctoritate, non minus videtur falsum, quam primum. Nam si Ecclesia invitum papam deponit; certe est supra papam, cujus oppositum in illo tractatu idem Cajetanus defendit. Sed respondet ipse: Ecclesiam ex eo quod papam deponit, non habere auctoritatem in papam, sed solum in illam conjunctionem personae cum pontificatu: ut enim Ecclesia potest coniungere pontificatum cum tali persona, et tamen non dicitur propterea esse supra pontificem; ita potest separare pontificatum a tali persona in casu haeresis, et tamen non dicetur esse supra pontificem.
At contra. Nam primo, ex eo quod papa deponit episcopos, deducunt, papam esse supra episcopos omnes, et tamen papa deponens episcopum non destruit episcopatum, sed solum separat ab illa persona. Secundo deponi invitum a pontificatu sine dubio est poena; igitur Ecclesia invitum papam deponens, sine dubio ipsum punit; at punire est superioris et judicis.Tertio, quia secundum Cajetanum et caeteros Thomistas, re idem sunt totum et partes simul sumptae; igitur qui habet auctoritatem in partes simul sumptas, ita ut eas separare possit, habet etiam in ipsum totum, quod ex partibus illis consurgit.
Neque valet Cajetani exemplum de electoribus, qui habent potestatem applicandi pontificatum certae personae, et tamen non habent potestatem in papam. Nam dum res fit, actio exercetur circa materiam rei futurae, non circa compositum quod nondum est: at dum res destruitur, exercetur circa compositum, ut patet in rebus naturalibus. Itaque cardinales dum pontificem creant, exercent suam auctoritatem, non supra pontificem quia nondum est, sed circa materiam, idest, circa personam quam per electionem quodammodo disponunt, ut a Deo pontificatus formam recipiat; at si pontificem deponerent, necessario exercerent auctoritatem supra compositum, idest, supra personam pontificia dignitate praeditam, idest, supra pontificem.
Est ergo quinta opinio vera, papam haereticum manifestum per se desinere esse papam et caput, sicut per se desinit esse christianus et membrum corporis Eeclesiae; quare ab Ecclesia posse eum judicari et puniri. Haec est sententia omnium veterum Patrum, qui docent, haereticos manifestos mox amittert omnem jurisdictionem, et nominatim Cypriani lib. 4. epist. 2. ubi sic loquitur de Novatiano, qui fuit papa in schismate cum Cornelio: Episcopatum, inquit, tenere non posset, et si episcopus primus factus, a coepiscoporum suorum corpore et ab Ecclesiae unitate discederet. Ubi dicit Novatianum. etsi verus ac legitimus papa fuisset, tamen eo ipso casurum fuisse a pontificatu, si se ab Ecclesia separaret.
Eadem est sententia doctissimorum recentiorum ut Jo. Driedonis, qui lib. 4. de Script. et dogmat. Eccles. cap. 2. par. 2. sent. 2. docet, eos tanturn ab Ecclesia separari, qui vel ejiciuntur, ut excommunicati, vel per se discedunt et oppugnant Ecclesiam, ut haeretici et schismatici. Et sententia septima dicit, in iis, qui ab Ecclesia discesserunt, nullam prorsus remanere spiritualem potestatem super eos, qui sunt de Ecclesia. Idem Melchior Canus, qui lib. 4. de loc. cap. 2. docet, haereticos non esse partes Ecclesiae, nec membra, et cap. ult. ad argument. 12. dicit, non posse vel cogitatione informari, ut aliquis sit caput et papa, qui non est membrum neque pars. Et ibidem disertis verbis docet, haereticos occultos adhuc esse de Еcclesia, et partes, ac membra, atque adeo papam haereticum occultum adhuc esse papam. Eadem est aliorum etiam, quos citavimus in lib. 1. de Eccles.
Fundamentum hujus sententiae est, quoniam haereticus manifestus nullo modo est membrum Ecclesiae, idest, neque animo neque corpore, sive neque unione interna, neque externa. Nam catholici etiam mali sunt uniti et sunt membra, animo per fidem, corpore per confessionem fidei, et visibilium sacramentorum participationem: haeretici occulti, sunt uniti et sunt membra, solum externa unione, sicut e contrario, boni cathecumeni sunt de Ecclesia, interna unione tantum, non autem externa: haeretici manifesti nullo modo, ut jam probatum est.
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LINK:
São Roberto BELARMINO, Se o papa herege pode ser deposto (excerto); trad. br. do Dr. Arnaldo Xavier da Silveira, anotada e transcrita, com o texto completo em latim, por F. Coelho, São Paulo, ag. de 2009, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-3R
FONTE DA TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS:
Dr. Arnaldo Vidigal XAVIER DA SILVEIRA, A Hipótese Teológica de um Papa Herege, parte I de suas: Considerações sobre o “Ordo Missae” de Paulo VI, São Paulo, Junho de 1970, xx+169 pp., mimeografado para o autor, pp. 16 e 28-33; que correspondem às pp. 240-241 e 260-267 da tradução francesa publicada: La Nouvelle Messe de Paul VI : Qu’en penser ?, trad. fr. Cerbelaud Salagnac, Diffusion de la Pensée Française, Chiré-en-Montreuil, 1975.
(Há na rede trad. ingl. desse trecho, pelo Sr. James Larrabee, em: http://www.sedevacantist.org/bellarm.htm)
FONTE DO ORIGINAL, EM LATIM:
Opera Omnia, Napoli, 1836, vol. I, p. 419-420, http://books.google.com/books?id=XDkAAAAAYAAJ&pg=RA1-PA418
https://magisteriodaigreja.com/se-o-papa-herege-pode-ser-deposto/