Uma nova religião eclode no Vaticano II

O que se convencionou chamar de “a crise da Igreja” caracteriza-se pela instalação de uma nova religião nas estruturas da Santa Igreja Católica; por correlação necessária (a título de condição e de consequência), ela se caracteriza também pelo desaparecimento da autoridade do Soberano Pontífice.

Essa nova religião, o Vaticano II não a inventou: ela é uma hibridação da religião católica com a religião do mundo; é uma religião mundana na qual os grandes princípios maçônicos (que convergem para a destruição da civilização cristã) se encontram em posição privilegiada; é o resultado da corrosão modernista.

O novo é que essa religião, anteriormente professada em segredo pelos inimigos da Igreja “de dentro” reunidos em sociedade secreta [1. É São Pio X que o afirma, na encíclica Pascendi de 8 de setembro de 1907, e que reitera essa afirmação no motu proprio Sacrorum Antistitum de 1.º de setembro de 1910.] aparece à luz do dia: ela é instalada e oficializada no Vaticano II, que não somente dá a ela um arcabouço doutrinal, como ainda faz aderir a ela a imensa maioria dos bispos, que, entrando católicos na aula conciliar, saem de lá quatro anos depois reciclados e desfalecentes na fé, ou no mínimo deficientes na profissão da fé.

Ninguém se esquece do testemunho de Dom Albino Luciani (futuro João Paulo I) narrando ingenuamente que antes do Vaticano II ele acreditava e ensinava que as falsas religiões não podiam ser objeto de um direito civil, e que depois ele se convenceu do contrário.

É ao Vaticano II que é preciso incessantemente retornar, portanto, para tentar compreender.

Em meio a abundância verbal despistante, o Vaticano II ensina todos os princípios que conduzirão à dissolução da vida e da sociedade cristãs, ao ecumenismo louco, à reforma litúrgica dessacralizante e desfidelizante (perdão pelo neologismo). Esses princípios foram criteriosamente inseridos, doutamente enviezados, cuidadosamente velados por trás de uma cortina de fumaça. Essa cortina de fumaça foi, aliás, cada vez menos necessária, à medida que o concílio avançava, pois as mentalidades dos padres conciliares evoluíam com grande rapidez nessa gigantesca “société de pensée” [sociedade ideológica] em que se transformou a assembleia conciliar desprovida de cabeça.

Esses princípios estavam ali, bem presentes, difundindo a heresia, induzindo a uma mentalidade alheia ao espírito cristão, contendo material para minar todos os aspectos da obra da Igreja Católica.

Encontrar-se-ão alguns a seguir, concernentes à concepção de Igreja e de natureza humana. Sua nomenclatura é tirada da “Lettre à quelques évêques” [Carta a alguns bispos] enviada em 1983 a um certo número de prelados, para esclarecê-los e encorajá-los a dar testemunho da fé católica. Unicamente Dom Castro Mayer deu sua aprovação à mencionada carta.

Ver-se-á que não se trata de infantilidades, mas de erros gravíssimos.

Se cada um destes princípios já está em oposição direta ou indireta com a doutrina católica, seu conjunto convergente não pode, de modo algum, ser atribuído ao verdadeiro Magistério da Igreja Católica: a fé opõe-se absolutamente a essa atribuição.

Cumpre tirar daí as consequências.

Dezessete proposições errôneas
extraídas do Vaticano II

  1. Primeira série: a Igreja

Proposição 1: “[A divisão dos cristãos] é para o mundo um objeto de escândalo e faz obstáculo à mais santa das causas: a pregação do Evangelho a toda criatura” (Unitatis redintegratio, n. 1);

— enquanto tal: malsonante, suspeita de heresia;

— enquanto afirma que a dissidência dos não-católicos com relação à Igreja compromete a credibilidade do Evangelho e da Igreja Católica: favorecedora da heresia sobre a natureza da Igreja, conducente a negar a realização, na Igreja Católica, da nota divina da unidade; conducente a negar a doutrina católica que afirma que a Igreja é dotada das “notas manifestas de sua divina instituição”;

— enquanto atribui o ser causa desse escândalo indiferentemente à Igreja Católica e aos dissidentes: escandalosa, injuriosa à Igreja.

Proposição 2: “A única Igreja de Cristo, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele” (Lumen gentium, n. 8);

— tal qual é: capciosa (pelo fato do emprego da expressão subsiste na em lugar do verbo é), sabedora ao erro;

— enquanto insinua que a Igreja de Cristo, subsistindo “como sociedade constituída e organizada neste mundo na Igreja Católica”, subsiste também fora dessa Igreja Católica: errônea.

Proposição 3: “Numerosos elementos de santificação e de verdade se encontram fora da estrutura [compago] da Igreja que, como dons próprios da Igreja de Cristo, convocam (impulsionam) à unidade católica” (Lumen gentium, n. 8);

— enquanto tal: malsonante, suspeita de erro;

— enquanto não faz a precisão de que a “estrutura” (compago) de que se trata é a “estrutura visível”, sendo que isso é estritamente necessário (Pio XII, Mystici CorporisDenzinger 2286): favorecedora do erro que consiste em negar a identidade de fato entre a Igreja e o Corpo Místico;

— enquanto, mediante essa expressão “elementos de santificação”, insinua que a não pertença à Igreja visível não coloca, de si, um óbice à recepção efetiva da graça sacramental (sendo as disposições pessoais do sujeito que permitiriam, por acidente, essa recepção efetiva, aquelas que o fazem pertencer invisivelmente à Igreja): errônea;

— enquanto, mediante a expressão “dons próprios da Igreja de Cristo”, insinua que existem elementos de santificação e de verdade, fora da estrutura visível da Igreja Católica, que não pertencem por direito a esta Igreja Católica: próxima da heresia.

Proposição 4: “O conjunto daqueles que olham com fé para Jesus autor da salvação, príncipe de unidade e de paz, Deus os chamou, deles fez Igreja, para que ela seja, aos olhos de todos e de cada um, o sacramento visível dessa unidade salutar” (Lumen gentium, n. 9);

— tal qual é: capciosa, suspeita de heresia;

— enquanto significa que “olhar com fé para Jesus” é condição suficiente para pertencer à Igreja, e nega por aí que “só fazem parte dos membros da Igreja aqueles que receberam o batismo de regeneração e professam a verdadeira fé, que, além disso, não tiveram a desgraça de se separar do conjunto do Corpo, nem foram cortados dele por faltas gravíssimas pela autoridade legítima” (Pio XII, Mystici Corporis, Denzinger 2286): herética.

Proposição 5: “Junto daqueles que, sendo batizados, carregam o belo nome de cristãos mesmo sem professar integralmente a fé ou sem conservar a unidade de comunhão sob o Sucessor de Pedro, a Igreja se sabe unida por múltiplas razões […]. A isso se soma a comunhão na oração e nos outros benefícios espirituais, melhor ainda, uma verdadeira união no Espírito Santo, pois, por seus dons e suas graças, ele opera neles também sua ação benfazeja…” (Lumen gentium, n. 14);

— tal qual é: capciosa, suspeita de heresia, favorecedora da heresia sobre a natureza da comunhão sobrenatural que é estabelecida pela fé e a caridade;

— enquanto atribui a todos os cristãos separados da Igreja Católica o que não pode ser dito senão daqueles, aliás conhecidos somente de Deus, que têm no mínimo a virtude da fé sobrenatural e são, assim, resgatados por voto implícito à Igreja Católica: herética.

Proposição 6: “Aqueles que [nas comunidades separadas da Igreja Católica] creem em Cristo e que receberam validamente o batismo encontram-se numa certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja Católica” (Unitatis redintegratio, n.3);

— mesmas qualificações da proposição precedente.

Proposição 7: “Justificados pela fé recebida no batismo, incorporados a Cristo, eles [esses cristãos das comunidades separadas] carregam a justo título o nome de cristãos, e os filhos da Igreja Católica os reconhecem em bom direito como irmãos no Senhor” (Unitatis redintegratio, n.3);

— mesmas qualificações da proposição precedente.

Proposição 8: “Essas Igrejas e essas comunidades separadas, se bem que nós acreditemos que elas sofram de deficiências, não são de modo nenhum desprovidas de significação e de valor no mistério da salvação. O Espírito de Cristo, com efeito, não se recusa a servir-se delas como meios de salvação, cuja força deriva da plenitude de graça e de verdade que foi confiada à Igreja Católica” (Unitatis redintegratio, n.3);

— tal qual é: capciosa, com sabor de heresia;

— enquanto insinua que as comunidades acatólicas são, em si mesmas, meios de salvação, e não faz a precisão, como seria necessário, de que as verdades e os sacramentos que são eventualmente conservados nessas comunidades não produzem efeito salutar a não ser em oposição aos princípios errôneos que fundam a existência dessas comunidades e acarretam de juresua dissidência: próxima da heresia.

Proposição 9: “[A Igreja Católica] considera com respeito sincero essas maneiras de agir e de viver, essas regras e essas doutrinas [das religiões não-cristãs] que, embora difiram em muitos pontos daquilo que ela própria sustenta e propõe, todavia levam com frequência um raio da verdade que ilumina todos os homens” (Nostra Ætate, n. 2);

— tal qual é: capciosa, favorecedora da heresia do indiferentismo;

— enquanto afirma serem “respeitáveis” regras e doutrinas que veiculam de fato, por si mesmas (ex se), o erro doutrinal e moral: escandalosa, contrária ao modo de agir do Divino Redentor, que “ao mesmo tempo que foi bom com os desviados e os pecadores, não respeitou suas convicções errôneas, por mais sinceras que parecessem” (São Pio X, Carta sobre o Sillon).

Proposição 10: “[…] pode-se conferir aos orientais que com toda a boa fé estão separados da Igreja Católica os sacramentos da penitência, da Eucaristia e da unção dos enfermos, se eles próprios os pedirem e estiverem bem dispostos” (Orientalium Ecclesiarum, n. 27);

— enquanto admite aos sacramentos da Igreja Católica, sinais visíveis e causas de sua unidade, pessoas visivelmente separadas dessa Igreja: ruinosa para a unidade católica, contrária à natureza dos sacramentos, favorecedora de fato do erro dos dissidentes quanto à necessidade da agregação à Igreja Romana.

  1. Segunda série: a dignidade do homem

Proposição 1: “Proclamando a nobilíssima vocação do homem e afirmando que um germe divino (divinum quoddam semen) está depositado nele, este Santo Sínodo oferece ao gênero humano a colaboração sincera da Igreja para a instauração de uma fraternidade universal que responda a essa vocação” (Gaudium et spes, n. 3);

— enquanto tal: capciosa, favorecedora da confusão entre a ordem natural e a ordem sobrenatural;

— enquanto insinua que a natureza é o germe (semen) da graça: herética.

Proposição 2: “Crentes e não crentes estão geralmente de acordo sobre este ponto: tudo na terra deve ser ordenado ao homem como a seu centro e seu ápice” (Gaudium et spes, n. 12);

— no apresentar como ponto de acordo a atribuição da noção de “centro e de ápice” ao homem, atribuição que se realiza em dois sentidos essencialmente diversos, para o crente o de fim relativo, ulteriormente referido ao Fim último, para o incréu o de fim último e absoluto: capciosa, escandalosa, favorecedora de fato do antropocentrismo radical;

— enquanto inclui na sua generalidade as virtudes teologais (que se exercem na terra) e o culto divino, que não podem ser “ordenados ao homem como a seu centro e seu ápice”: errônea, escandalosa, favorecedora do orgulho do homem que “aparta o jugo da majestade (divina) e dedica a si próprio o mundo visível à guisa de templo, onde ele pretende receber as adorações de seus semelhantes” (E Supremi Apostolatus, São Pio X, 4 de outubro de 1903).

Proposição 3: “Estabelecido por Deus em estado de justiça, o homem, seduzido pelo Maligno, desde o início da história, abusou de sua liberdade, voltando-se contra Deus e desejando atingir seu fim à revelia de Deus. […] Recusando-se frequentemente a reconhecer Deus como seu princípio, o homem rompeu a ordem que o orientava ao seu fim último e, ao mesmo tempo, rompeu toda harmonia, tanto com respeito a si mesmo, como com respeito aos outros homens e a toda a criação” (Gaudium et spes, n. 13);

— enquanto caracteriza o pecado original somente como o primeiro da série dos pecados pessoais, e enquanto, pelos termos “recusando-se frequentemente”, apresenta a ruptura da ordem ao fim último como decorrendo exclusivamente dos pecados pessoais atuais e não da própria desordem da natureza decaída em Adão, e transmitida nesse estado caído a todos os homens, com a única exceção da Bem-Aventurada Virgem Maria: herética, já condenada pelo Concílio de Trento (Sessão V, Decreto de peccato originaliDenzinger 789).

Proposição 4: “A dignidade do homem exige dele, portanto, agir de acordo com uma escolha consciente e livre, amadurecida e determinada por convicção pessoal, e não unicamente sob efeito de impulsos instintivos ou de coação exterior” (Gaudium et spes, n. 17);

— no apresentar toda ação operada sob coação externa, seja qual for, mesmo aquela que visa a fazer observar no foro externo a lei moral objetiva, como contrária à dignidade do homem: errônea, implicitamente condenada como herética nas proposições 4 e 5 do Sínodo de Pistoia (Denzinger1504-1505); fundada numa falsa concepção da dignidade humana condenada por São Pio X (Carta sobre o Sillon).

Proposição 5: “Como, em Cristo, a natureza humana foi assumida e não alienada, por esse fato mesmo, essa natureza foi elevada também em nós a uma sublime dignidade. Pois, por sua Encarnação, o Filho de Deus se uniu de algum modo a todos os homens” (Gaudium et spes, n. 22);

— tal qual é: no mínimo errônea;

— enquanto insinua que, antes mesmo da recepção das graças da Redenção (pelo batismo, recebido ao menos in voto), a natureza está, em ato, em todo homem em estado de dignidade e não de queda: herética.

Proposição 6: “O Espírito de Deus que, por admirável providência, conduz o curso dos tempos e renova a face da terra, está presente nesta evolução (do mundo moderno). Quanto ao fermento evangélico, foi ele que suscitou e é ele que suscita no coração humano uma exigência incoercível de dignidade” (Gaudium et spes, n. 26);

— favorecedora da confusão entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, indutora a atribuir ao Espírito Santo os erros modernos condenados pelos Soberanos Pontífices de Pio VI a Pio XII, e por aí errônea e escandalosa (cf. São Pio X, Carta sobre o Sillon: “Eles não receiam de fazer entre o Evangelho e a Revolução aproximações blasfemas, que não têm a desculpa de haver escapado a alguma improvisação tumultuosa”).

Proposição 7: “A liberdade religiosa, entendida como a imunidade de toda coação no foro externo público em matéria religiosa, é um direito natural da pessoa humana” (Dignitatis humanæ personæ, n. 2);

— no mínimo errônea, conducente a proposições já condenadas como heréticas pela Igreja nas proposições 4 e 5 do Sínodo de Pistoia (Denzinger 1504, 1505), explicitamente condenada pelo Magistério da Igreja, particularmente Gregório XVI, Encíclica Mirari Vos de 15 de agosto de 1832 (Denzinger 1613), e Pio IX, Encíclica Quanta Cura de 8 de dezembro de 1864 (Denzinger 1689, 1690), como “contrária à Sagrada Escritura e à doutrina da Igreja e dos Santos Padres” (Quanta Cura).

P.S. Esta lista não examina senão os dois temas da Igreja e da dignidade do homem: não abrange, portanto, as proposições falaciosas referentes à situação dos judeus (na Nostra Ætate) ou às fontes da Revelação (na Dei Verbum), e outras mais.

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Para Citar:

Rev. Pe. Hervé BELMONT, Uma nova religião eclode no Vaticano II, 2011, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, ag. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1u3

de: “Une nouvelle religion éclôt à Vatican II”, blogue Quicumque, documento B-5 do dossiê “Sedevacantismo” (jul. 2011).

https://magisteriodaigreja.com/cvii-novareligiao/