Uma canonização é infalível?

As canonizações feitas por Paulo VI, João Paulo II ou Bento XVI colocaram mais de um em situação embaraçosa, pois é visível que certo promovido não foi bem digno da Igreja. Aí então, velhos demônios se revelam, demônios que impelem a travestir ou diminuir a doutrina da Igreja para poder, simultaneamente, reconhecer a autoridade pontifícia no trio supramencionado e recusar seus atos e decisões. Assim, lê-se aqui e ali, em desprezo da doutrina católica unânime, que as canonizações pronunciadas por um Soberano Pontífice não são atos infalíveis, e pretende-se basear-se em Santo Tomás de Aquino. Vejamos isto mais de perto.

Ao canonizar um Santo, o Papa emite um juízo definitivo que o propõe à Igreja universal como modelo e como intercessor, e ele instaura o seu culto. Assim fazendo, ele garante que o Santo em questão está na glória do Céu – pois ele é proposto como intercessor; e garante que esse Santo praticou (ao menos após uma eventual conversão) as virtudes cristãs de modo heroico – pois ele é proposto como modelo.

Um tal ato é necessariamente infalível. Não pertence à infalibilidade magisterial da Igreja (e do Papa, é a mesma), que tem como objeto as verdades reveladas e as verdades conexas com a Revelação. A canonização pertence à infalibilidade prática da Igreja (que cobre, igualmente, as leis gerais, a aprovação das ordens religiosas, os ritos litúrgicos etc.), pois é impossível que a Igreja nos proponha como modelo e intercessor alguém que não o é.

Santo Tomás de Aquino atém-se antes à conexão da canonização com a fé, e a faz entrar no objeto secundário da infalibilidade da Igreja. Após ter afirmado que é impossível que a Igreja e o Papa errem em matéria de fé, mas que isso é possível nas sentenças que dizem respeito a fatos particulares em razão de falsas testemunhas, ele acrescenta:

“A canonização dos santos está entre as duas. Porque a honra que prestamos aos santos é uma certa profissão de fé pela qual cremos na glória dos santos, deve-se crer com piedade que também nessa matéria o juízo da Igreja não pode ser falso” (Quodlibet. ix, 16).

E eis que alguns glosam sobre o “deve-se crer com piedade… pie credendum est”, pretendendo que essa piedade seria uma atenuação da necessidade exprimida pelo credendum. Isso não tem sentido: na resposta às objeções posta logo em seguida, Santo Tomás afirma, com efeito, que o Papa age sob a moção do Espírito Santo (per instinctum Spiritus Sancti) e que a Igreja é preservada de ser enganada pelo testemunho falível dos homens.

A nota teológica atribuída à infalibilidade nas canonizações é dada pelo próprio Papa Bento XIV: se negá-la não é formalmente herético, é, diz o Papa, “temerário, escandaloso, e com sabor de heresia” (sapientem hæresim – De canoniz. sanctorum, Livro I, c. 43, n. 3).

Assinalemos, de passagem, que há uma terceira infalibilidade da Igreja e do Papa (pois a Igreja é infalível segundo seus três poderes – assim como ela é una, santa, católica e apostólica segundo seus três poderes): é uma infalibilidade sacramental, que garante a realidade e a eficácia dos ritos sacramentais.

Contrariamente à canonização, a beatificação não se dirige à Igreja universal: ela permite o culto do Bem-Aventurado em certos lugares ou em certas dioceses. Ela não é um ato definitivo, mas um ato preparatório. Por essas razões, ela não é infalível. Um sinal disso é que, após a beatificação, a causa do Servo de Deus é submetida a um novo exame completo em vista da canonização – o que não teria sentido se a beatificação fosse infalível. Mas, em razão da sabedoria e do rigor da Igreja, seria muitíssimo temerário negar a salvação ou a heroicidade das virtudes de um Bem-Aventurado.

 

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PARA CITAR:

Rev. Pe. Hervé BELMONT, Uma canonização é infalível?, 2011, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, jan. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1bN

de: “Une canonisation est-elle infaillible ?

https://magisteriodaigreja.com/uma-canonizacao-e-infalivel/